Ver o genial Pelé tomar a vacina contra a Covid me inspirou a falar sobre ele na primeira coluna para o Jogada10. Quero começar tentando corrigir um erro: Pelé jamais foi um jogador de meio-campo. Pelé foi sempre um atacante, do primeiro ao último jogo.

Certamente a primeira e grande contestação que farão é: Pelé era um meia. Sim, era mesmo, um meia…esquerda. E por isso é que era um atacante.

Como é que é? Segue o fio… não do Twitter, mas do meu raciocínio.

O futebol surgiu por volta de 1860 e pouco tempo depois, o sistema dominante tornou-se o 2-3-5. Por muitas décadas, as posições do ataque eram ponta-direita, meia(opa!)-direita, centroavante, meia-esquerda e ponta esquerda. Suas camisas eram 7, 8, 9, 10 e 11. (já vi que vc entendeu por que Pelé era o 10…).

Nos anos 40, o técnico carioca Flávio Costa criou o único sistema de jogo genuinamente nacional: a diagonal. Como era nacional, obviamente tinha umas esquisitices. A principal era que o time atacava sempre pelo mesmo lado, da seguinte forma: se diagonal era para a esquerda, o zagueiro esquerdo jogava adiantado em relação ao outro e se colocava na lateral daquele lado. O outro zagueiro fica no meio da área (e assim surgiu o zagueiro-central). O médio direito jogava recuado e ocupava a outra lateral. O centromédio ficava no meio e o médio esquerdo apoiava o ataque. Assim, na prática, o time se defendia com três: dois laterais e um zagueiro.

Na linha de frente, o ponta direita jogava recuado, armando e o ponta-esquerda era bem mais ofensivo. O mesmo acontecia com os meias direita e esquerda. A ideia era concentrar jogadores de um lado e atacar por lá. Parece uma loucura, mas com o mau preparo físico da época dava muito certo.

Esse esquema entrou em decadência nos anos 50 e surgiu o 4-2-4. O médio avançado foi recuado para o meio da defesa e virou o… quarto-zagueiro (taí a origem desse nome). Mas para ter dois jogadores no meio campo, era preciso recuar um jogador do ataque. Coube a um dos meias recuar. E nasceu o “meia armador” -era um meia que em vez de atacar, armava.

O outro meio-campista era o médio-volante. Sozinho tinha que dar o primeiro combate a qualquer jogador que avançasse com a bola pelo meio do ataque.

No Brasil, o meia-armador era uma espécie de aristocrata. Não marcava ninguém e ficava esperando a bola chegar até ele para começar a jogada. Didi, Gérson, Rivellino e Ademir da Guia foram grandes meias-armadores. No Santos de Pelé, o armador era Mengálvio, o 8.

Pelé não era nada disso. Sua missão era fazer gols, por ele próprio ou por algum passe dado dentro ou perto da área. Foi assim até o fim da carreira. Quem vê os gols dele na Copa de 1970, sua última Copa, percebe quantas vezes aparece na frente até do centroavante.

E como começou essa história de Pelé ser meio-campista? A culpa, é claro, é do pofexô.

Luxemburgo é que começou a dizer em um monte de entrevistas que Pelé ser um meia, era jogador de meio-campo. Luxemburgo entende um monte de coisas, mas nada de história de futebol (e nem poderia, pois acredita que ele que inventou tudo… hehe). Mas muitos jornalistas caíram na conversa porque o argumento, apesar de falso, parecia lógico.

Ainda faltam responder duas questões: se meia é hoje uma posição de meio-campo e não era antes, como essa mudança aconteceu? Antigamente quem jogava no meio-campo era um meio-campista, uma expressão feia e comprida – era ruim até para o texto dos jornais. E como meia é parecido com meio, foi só encurtar a expressão meia armador que se resolveu o problema. E o que designava uma faixa longitudinal do campo, passou a significar um setor transversal.

E quem garante que esse negócio de cinco faixas no comprimento do campo não é uma invencionice deste colunista? Existe um monte de registros, mas o mais fácil é ver a maneira como um técnico conhecido arma seus times: Pep Guardiola.

Como se pode ler no livro “Pep Confidencial” ou assistindo aos jogos, o espanhol monta toda a movimentação com base nessas faixas. Ele tem um volante central, dois (meias) “internos” e dois (pontas) “externos”. Quando quer que algum lateral avance, o ponta passa para a faixa do lado. Se o ponta fica aberto, é o meia que tem o corredor livre e o lateral fica ou pula para a segunda faixa. Esse tipo de deslocamento não é criação dele, mas é muito antigo. Rinus Mitchell e seu pupilo Johan Cruyff, que foi mestre de Guardiola, já usavam isso e muitos antes deles, de outras maneiras.

Então é isso, Chega de chamar o rei de jogador de meio-campo (Zico também foi atacante durante boa parte da carreira, mas isso é outro assunto).

Curtiu? Achou uma porcaria? Deixa seu comentário abaixo. Se vc tiver uma pergunta e eu souber a resposta, terei prazer em responder.

Abraços e até a semana que vem – dessa vez será um assunto mais “quente”.

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