A torcida do Botafogo está ansiosa para reencontrar o Mais Tradicional neste domingo (1), às 11h, no Estádio Nilton Santos. E a preliminar já está marcada. Na madrugada deste sábado (30), por volta de 2h45, a Botafogo Samba Clube, escola do universo preto e branco, desfila na passarela da Intendente Magalhães, local que abrigará as 25 agremiações da Série Prata, uma espécie de Terceira Divisão do Carnaval do Rio de Janeiro. As duas melhores avaliadas garantem vaga na Marquês de Sapucaí em 2023.

Para chegar ao templo almejado por todos os amantes da folia, a escola alvinegra apostará no samba-manifesto “João Saldanha: um apaixonado pela verdade caminhando em tempos de ilusão”, uma homenagem ao ex-treinador do Botafogo, jornalista, obstinado defensor das causas alvinegras e militante político em tempos de opressão. O enredo será desenvolvido por uma dupla de carnavalescos: o ator/humorista Marcelo Adnet, estreante na função, e o desenhista Ricardo Hessez, ex-assistente de São Clemente e Viradouro.

Hessez e Adnet formam dupla no Carnaval da Botafogo Samba Clube – Reprodução/Instagram

“A nossa intenção sempre foi falar sobre democracia. Uni-la ao futebol tornou o João um tema interessante para a Botafogo Samba Clube. O que o João diria sobre o que está acontecendo no país? É importante apresentá-lo em um lugar extremamente popular como é a Intendente.  Como novo carnavalesco, uma pessoa de 27 anos, percebi a importância dele tanto para o futebol quanto para os movimentos sociais. É um homem que não existe mais hoje. Extremamente corajoso. Nelson Rodrigues afirmava que não deveríamos riscar um fósforo perto de João Saldanha, pois tudo pegaria fogo. Ele falava a verdade, sem medo do que poderiam pensar, por isso, em contradição com o governo da época, foi tirado da Seleção às vésperas da Copa do Mundo de 1970”, destacou Hessez, em entrevista ao Jogada10.

IRREVERÊNCIA

É claro que, na festa de Momo, não pode faltar o lado mais lúdico. Saldanha, além das singularidades já mencionadas, era um frasista de primeira linha. “Se macumba ganhasse jogo, o Campeonato Baiano terminava empatado”. Quer mais uma? “Se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária não perdia nunca mais”. As sentenças deixam pistas sobre a personalidade do ídolo alvinegro e o percurso da Botafogo Samba Clube na Intendente.

“Para falar sobre o João, brinco que poderiam ter centenas de carros alegóricos e alas. Era uma pessoa muito bem humorada, uma voz que o Brasil consagrou na Rádio Nacional e no jornalismo. Muito legal trabalhar com o legado de alguém com tantas facetas e que, se Deus quiser, nos levará à Sapucaí”, completou Ricardo Hessez.

UM TRIO DE RESPEITO

Com o João Sem Medo, a Botafogo Samba Clube, ainda em seus primeiros e promissores passos no mundo do samba, chega com moral ao terceiro desfile. No primeiro, em 2019, colocou suas fichas em um enredo sobre o ex-atacante Túlio Maravilha, entrou com samba no pé e conquistou o acesso à Série C. Em 2020, no Carnaval pré-pandemia, a cantora Beth Carvalho foi lembrada, e os alvinegros ficaram em décimo lugar.

Em 2020, homenagem à Madrinha do Samba, Beth Carvalho – Emerson Pereira Vieira/Botafogo Samba Clube

“No início, a Botafogo Samba Clube tinha de mostrar ao torcedor alvinegro que, de fato, era oriunda das arquibancadas. O primeiro enredo, sobre o Túlio, foi irreverente e brincalhão, com a cara da Intendente. No ano seguinte, houve a morte da Beth e não poderíamos deixar passar a homenagem a ela, uma alvinegra marcante na música brasileira. No terceiro, tudo casava para um personagem histórico e mais universal. Caminhamos para o lado das homenagens, mas não foi a nossa intenção e não é uma linha definitiva. A Botafogo Samba Clube buscará outras temáticas, sempre ouvindo os carnavalescos”, explicou, ao J10, Sandro Lima, presidente da escola.

DA ARQUIBANCADA AO SAMBÓDROMO

A Botafogo Samba Clube veio ao mundo como resultado da comunhão entre três paixões nacionais: futebol, samba e Carnaval. O Glorioso não poderia ficar da trinca. O clube, aliás, cedeu o Estádio Nilton Santos para a escola realizar o último ensaio de 2021, porém, a agremiação faz questão de manter-se independente em sua busca pelo acesso ao Sambódromo.

Os carnavalescos com o presidente Sandro Lima – Emerson Pereira / Botafogo Samba Clube

“A ideia nasce após uma conversa de amigos. Estava ausente das partidas do Botafogo porque fazia parte da bateria da Beija-Flor. Depois dos Desfiles das Campeãs de 2018 (ano do último título da escola de Nilópolis), voltei às arquibancadas e comentei, com algumas pessoas, por que não fundar uma escola para curtirmos o Botafogo e o Carnaval? Em julho daquele ano, nascemos. Trazemos as cores, a estrela e temos, institucionalmente, uma relação ótima com o clube, desde a gestão passada. Somos independentes. Nunca pedimos ajuda financeira. Pelo contrário. Sempre que podemos, ajudamos com campanhas a doações. Mas espero que esta relação se estreite ainda mais nos estádios e nas avenidas”, arremata Sandro Lima.

O SAMBA

Partiu… Dos pampas o verbo
De lenço vermelho, amargo rincão
Na marra, amarras da vida
Prestes a ensinar nobre lição
Vencer a luta é não se render
Revolução não se entregar jamais
É lenha que “bota fogo” na veia
É a voz de quem anseia
Por seus direitos
Na estrela solitária, a resistência
Persiste do lado esquerdo do peito

Foi o grito do silêncio
O revide do Martelo
E o povo que trabalha
Pelo verde e amarelo
Foi o drible na opressão da tirania
Liberdade de expressão
Contra a velha infantaria

Ah, a fina bossa a beira do mar
A poesia rolando na areia
Filosofia a mesa de bar correndo na veia
E há quem diga você não se comporta
Mas a verdade estava ali em linhas tortas
Dedo na ferida é teu enredo
Abre o verbo “João sem Medo”
Brasil, que ainda vive sob as grades da ilusão
Teu sonho menino tem força tamanha
Feito palavras do velho Saldanha!

É pra você João um “samba-manifesto”
Ninguém cala esse alvinegro protesto
Botafogo Samba Clube é o povo na rua
No seu ato de coragem nossa luta continua

Compositores: Diego Nicolau, Thiago Brito, Richard Valença, Fernando Professor, Alcino do Pega Pega, Leonel Querino e Paulão Vianna.

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