O Fla-Flu é mais que um clássico: é um confronto único entre clubes centenários e que encarnam uma rivalidade que tem tudo a ver com suas próprias origens. Mas o dérbi mais tradicional do Brasil só pôde acontecer graças a um homem: Alberto Borgerth. Remador que, posteriormente, foi para dentro das quatro linhas, ele viu surgir, graças a uma desavença com o Fluminense, a chance de fundar o futebol do Flamengo, até então um clube somente de regatas. Uma história que mudaria para sempre o futebol carioca e que vem à tona no fim de semana da final do Campeonato Carioca.

Filho de pai brasileiro e mãe húngara, Alberto nasceu em 3 de dezembro de 1892, em uma família tradicional. Era filho do Dr. José de Siqueira Álvares Borgerth, que foi chefe de segurança de D. Pedro II, no segundo reinado. Sempre esteve ligado ao esporte, até então acessível somente às elites. Chegou a remar no Flamengo, aos 13 anos, mas nunca imaginou que sua história com o Rubro-Negro seria tão importante.

Borgerth (o último, à direita) deixou o Fluminense para ir ao Flamengo – Reprodução/Arquivo

Aos 17 anos, Alberto foi jogar futebol no Fluminense, enquanto já estudava medicina. Estreou pelo Tricolor em 1910, numa vitória sobre o America, por 5 a 2, marcando dois gols. No ano seguinte, ganhou o Campeonato Carioca mas, antes mesmo do fim da competição, uma confusão envolvendo seu nome e a diretoria do Flu mudariam o curso da história do futebol dali em diante.

A rebelião e a nova casa

A comissão técnica do Fluminense (na época, ainda não havia a figura de um único treinador) decidiu barrar Borgerth e outros jogadores, a partir do começo de setembro. Isto gerou insatisfação em alguns atletas, o que fez Borgerth tomar a frente das discussões. Sem uma solução, ele e os outros jogadores tomaram uma decisão enérgica: apresentar uma demissão em massa. A partir de então, eles foram atrás de outro clube e o pensamento voltou-se para aquela agremiação vermelha e preta, das regatas, onde tudo tinha começado. Borgerth mirou o Flamengo e a ideia vingou.

Já bem sucedido no remo, o Flamengo ainda não tinha um departamento de futebol: aquela, portanto, parecia a oportunidade perfeita para inaugurá-lo. Em novembro, Borgerth foi ao clube, conversou com os sócios e propôs a criação de uma equipe. Embora houvesse uma espécie de rivalidade entre remadores e futebolistas, a ideia teve aprovação. Numa assembleia extraordinária, na véspera de Natal de 1911, a maioria de votos tornou o Flamengo um clube também de futebol.

Ainda sem um campo de treino, o Fla batia bola na praia do Russel, na Glória. De uma vez só, Alberto Borgerth trouxe do Fluminense os ex-companheiros Gallo, Nery, Amarante, Gustavinho, Lawrence, Baiano, Baena e Píndaro. Foi com quase todos em campo que o Flamengo fez seu primeiro jogo, em 3 de maio de 1912. O time atropelou o Mangueira, ganhando por 16 a 2, na estreia do time no Campeonato Carioca. Borgerth fez um dos gols naquela que, até os dias atuais, é a maior goleada rubro-negra em Cariocas.

Alberto Borgerth foi o pai do futebol rubro-negro – Reprodução do Livro Mengo-70

No Fla-Flu, Borgerth sempre levou a melhor

Pela frente, haveria justamente um Fla-Flu. O encontro entre os times que, em algum momento, foram a mesma coisa, mas tomaram um caminho diferente. E seria um capítulo à parte, porque o Flamengo era favorito, já que tinha quase todo o time campeão do ano anterior, enquanto o Fluminense atuaria com os ‘segundos quadros’, uma espécie de ‘time B’. Quando a bola rolou, o Tricolor ganhou por 3 a 2. O resultado inflamou ainda mais as rivalidades, especialmente porque o Fla venceria os dois jogos restantes contra o rival e terminaria o campeonato três posições à frente.

Mas ainda faltava um título para coroar Borgerth e ele veio em 1914. Em 15 de novembro, comemoração do aniversário do Flamengo, o Mais Querido venceu o Fluminense por 2 a 1 e Borgerth fez um dos gols. A vitória garantiu ao time seu primeiro título carioca, por antecipação: a vingança, enfim, estava completa. Ademais, o artilheiro ainda ganhou o título de sócio benemérito.

Borgerth também esteve no time bicampeão de 1915, se aposentando no ano seguinte, com 45 partidas e 21 gols. Ele continuou no Flamengo, mas conciliando os projetos esportivos com a carreira de médico. Em 1927, aos 31 anos, foi nomeado presidente do clube, posição em que ficou por pouco tempo, mas a tempo de ser novamente campeão carioca. Novamente, em cima do Fluminense.

No Fla-Flu do centenário, Vagner Love homenageou Borgerth – Alexandre Vidal/Flaimagem

Reconhecimento que atravessou um século

Embora nunca tenha deixado o Fla, Alberto também foi presidente da Federação Metropolitana de Futebol (atual Ferj), nos anos 1950, diretor da CBD (hoje CBF) e membro do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Borgerth morreu em 1958, mas seu legado tornou-se eterno. Em 2012, centenário do futebol rubro-negro, ele foi homenageado com seu nome na camisa de Vágner Love, no jogo que marcou os 100 anos do Fla-Flu.

Embora tivesse forte identificação com o Flamengo, o neto de Alberto Borgerth, Luiz Brandão, admitiu numa entrevista ao ‘Lance!’, em 2014, que o coração do avô era dividido: tinha espaço também para o Fluminense. Assim, o pai do futebol rubro-negro pode ser também considerado o ‘inventor’ de um dos maiores clássicos do Brasil. Nélson Rodrigues disse, certa vez, que o Fla-Flu começou “40 minutos antes do nada”. Certamente, lá estava Alberto Borgerth.

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