Futebol é mais do que só um jogo, já diziam os sábios apaixonados pelo esporte bretão. A célebre frase encontra em Jairton Rocha a representação viva do amor pelo Coritiba, clube pelo qual já ganhou o status de torcedor-símbolo. A vida deste paranaense de Guaratuba, cidade litorânea que fica a 130 quilômetros de Curitiba, é uma verdadeira odisseia. Afinal, ele se locomove em cima de uma maca sobre rodas para acompanhar os jogos no Couto Pereira e em outros estádios pelo Brasil. Não importa o que aconteça, faça chuva ou sol, frio ou calor, a paixão fala mais alto.

Jairton vive uma odisseia acompanhando os jogos do seu Coritiba pelos estádios (Arquivo Pessoal)

Neste 3 de dezembro, o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, o Jogada10 apresenta a história de superação deste guerreiro, cuja limitação física não o impede de ser feliz. Um dia após o outro, apesar das adversidades da vida.

Jairton, hoje com 53 anos, tem distrofia muscular nas pernas desde os 13, quando foi vitimado por um erro médico. O garoto sentia dores no fêmur esquerdo, na região próxima ao quadril, desde os oito anos. Depois de conviver por um bom tempo com o problema, sua família procurou atendimento em hospital do município vizinho de Paranaguá, e o médico de plantão optou por engessá-lo do tórax até a ponta dos pés.

“Após quase dois meses, voltei no médico. Ele removeu o gesso, mas meu corpo estava totalmente atrofiado. Até fiz fisioterapia em outros hospitais, só que nunca voltou ao normal. E até hoje eu vivo na cama. Já são 40 anos vivendo nessa condição. Não consigo ficar sentado tampouco em pé. Deitado o tempo todo, o pescoço também atrofiou. Assim não posso movê-lo sequer para os lados. Apenas os braços. As pessoas me perguntam por que uso um espelho. Respondo que é para ver quem se aproxima. Por mais que a atrofia tenha tomado conta das minhas articulações, não sou de reclamar da vida, não. Busco motivos para ser feliz e vivo normalmente com essa deficiência”, detalhou Jairton.

Jairton apoiando o Coxa na arena corinthiana (Arquivo Pessoal)

Para conseguir se deslocar, sua família teve de providenciar uma maca feita sob medida. Porém, como o equipamento não é desmontável, sempre que precisa utilizar um carro, o banco do carona deve ser abaixado para que Jairton seja colocado com sua maca naquele espaço.

Sem carro próprio, ele depende de carona de parentes e amigos assim como transporte por aplicativo. O torcedor conta apenas com o amparo social de um salário mínimo (hoje de R$ 1.045) concedido pelo Governo. Para custear suas viagens, ele revelou como fazia para arrecadar fundos:

“Nunca recebemos indenização alguma por aquele erro médico. Como o valor do amparo social é pequeno, comecei a vender camisetas e canecas em acrílico com a minha imagem e coloco à venda nas redes sociais uma rifa valendo uma camisa autografada do Coritiba”.

Presença nos estádios

Antes de ser acometido pela distrofia muscular que o levou a viver deitado em uma maca, Jairton jamais havia visitado o Couto Pereira para ver o Coxa Branca, paixão de infância. Sua primeira experiência, em 20 de novembro de 2011, deu sorte ao Alviverde, que derrotou o Santos por 1 a 0, pelo Campeonato Brasileiro.

“Gol do atacante Leonardo após cruzamento do Geraldo pela esquerda. Neymar foi poupado daquele jogo porque o Santos iria disputar o Mundial de Clubes contra o Barcelona”, narrou, em detalhes, o torcedor.

Se Jairton não abre mão da felicidade no seu dia a dia, a gratidão é um sentimento que pôde ser notado em vários momentos ao longo da entrevista. Ele fez questão de expressar a forma com a qual sempre foi recebido nos estádios:

“Os torcedores são muito carinhosos e me parabenizam pelo esforço que fazemos para prestigiar o Coxa”, contou ele, que tem a maca empurrada pela esposa Solange, de 50 anos, ou pelos filhos Jairton Júnior (29) e Maikelly (23): “Minha família é o meu alicerce. É ela que me ajuda a seguir em frente com a felicidade no meu coração”, completou o aposentado, que tem três netos: Isabella (5), Alina (4) e Miguel (2).

Apaixonado pelo Coritiba, Jairton mostra que não é daqueles torcedores apenas de jogos, não:

“O Coxa faz parte da minha vida. Em 2013, tínhamos de vencer o forte Botafogo, de Seedorf e do goleiro Jeferson, para sair da zona de rebaixamento na penúltima rodada do Brasileirão, e fui convidado na véspera da partida para dar uma palestra motivacional ao elenco. Antes do treino conversei com jogadores e comissão técnica. Um momento inesquecível e de muita emoção. Acho que deu certo, porque vencemos por 2 a 1, com gols do Deivid e do nosso craque Alex”.

Jairton é técnico de um time de futebol amador em Guaratuba, o Juventude Esporte Clube. Saudosista, ele recorda a maior emoção já vivida com a esposa em um jogo.

“Também ocorreu em 2013, só que no interior paulista. Na última rodada, o Coritiba precisava vencer o São Paulo no estádio Novelli Júnior para não ser rebaixado. Viajamos 530 quilômetros de carro de Guaratuba até Itu. Sofremos demais, o cansaço então… mas o Coxa precisava da gente. Quando o árbitro apitou o fim do jogo, comemorei com minha esposa sem me importar com mais nada. O Coritiba venceu por 1 a 0. Minha esposa me disse que jamais iria esquecer o semblante no meu rosto. Felicidade pura”, relembrou Jairton.

Jairton completando o time do Coxa em Santa Catarina (Arquivo Pessoal)

A próxima viagem ainda depende do fim da pandemia do novo coronavírus. Ele, porém, segue satisfeito. Depois de conhecer estádios do Sul do Brasil, e a arena corinthiana em Itaquera, o passo seguinte deverá ser o… conta aí, Jairton!

“O Maracanã, claro! Sei que será uma viagem bem desgastante, mas não tem preço ou sacrifício que pague conhecer o Templo do Futebol”.

Por fim, ele deixou uma mensagem de apoio às pessoas que, assim como ele, possuem alguma deficiência.

“Continuem lutando pela vida. Não desistam de viver. Tenham força no dia a dia e façam tudo o que puderem para ser felizes assim como eu encaro a vida de peito aberto indo aos estádios. A deficiência está na cabeça de cada um. Se acreditarmos em nossos objetivos e em nossos sonhos, a gente chega lá. Deixo esta mensagem de carinho a estas pessoas. Tenham fé. A vida é boa. E todos merecemos ser felizes!”.

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