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Em 25 anos de profissão (quase 26), não acumulei dinheiro, mas o jornalismo me rendeu amigos (muitos) e uma infinidade de histórias. Das boas, das ruins. Esta que contarei aqui beirou a linha do surrealismo. Daquelas que a retina demora a absorver e o cérebro custa a crer em sua veracidade. O realismo fantástico em estado bruto.

Mas vamos ao que interessa. Aos fatos.

No finalzinho do século passado, na redação de um modesto, porém, tradicionalíssimo jornal (já finado), eu tinha como função apurar, reportar, editar e, às vezes, diagramar tudo que fosse relativo a futebol internacional. Tudo. Qualquer campeonato, resultado, qualquer brasuca que brilhasse em território estrangeiro. E em uma época de internet discada. A redação contava apenas com um (sim, UM!) computador com acesso à rede. Havia peregrinação, fila (às vezes dava até briga) para acessar o mundo via www. Era uma terça-feira, por volta das 15h30, 16h, e eu pedi ajuda a um estagiário. Sim, O estagiário (reparem no artigo definido masculino em caixa alta. Não para denotar a qualidade da pessoa em questão, que fique claro). A acanhada redação, com estrutura básica, era enfileirada de modos que lembrava uma escola, com coleguinhas sentados bem pertinho um dos outros. Da ponta da redação, chamei o rapaz. Era coisa simples. Fazer a apresentação do jogo Palmeiras x Independiente, da Argentina. Quinze linhas e mais a fichinha do jogo, com escalação, árbitro, horário… O prestativo menino fez sinal de positivo, pegou papel, caneta e foi para o terminal único de internet.

Lá pelas tantas, ele, de sua mesa, me pergunta: “Ô Fláviô! Sabe quem é o técnico do Independiente?”. “Oswaldo Piazza”, emendei de bate-pronto, arrancando um esgar de olhos do colega editor do lado, que se impressionou com a rapidez da resposta. Passados uns 10, 15 segundos, no máximo, eu completei a informação. “Mas o Oswaldo dele é com W, hein!”. O sorridente estudante de quarto período sorriu, fez ar de esclarecido e mostrou o polegar, já com os olhos na tela do micro. Uns minutos a mais, ele se levantou, olhou pra mim como se tivesse liberado a matéria e fez sinal que iria beber água.

Ao abrir a página no meu computador, inacreditavelmente estava cravado lá. “Wosvaldo”. Me senti culpado, afinal eu dissera que o Oswaldo do cara era com W.

Os anos se passaram. Soube que o menino (que hoje já não é mais evidentemente um menino) se deu bem na vida. Exerce uma profissão digna. Largou a faculdade de Comunicação Social.

Para sorte dele.

E do jornalismo.

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