No Dia da Consciência Negra é obrigatório dizer o nome de um homem: Francisco Carregal. Foi ele o primeiro jogador de futebol negro do Brasil, que abriu as portas para tantos outros e tornou-se um personagem reconhecidamente histórico.

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Francisco Carregal, primeiro jogador negro do futebol brasileiro – Reprodução

Nascido no dia 26 de março de 1884, no Rio de Janeiro, Francisco Gomes Carregal era filho de pai português e de mãe brasileira, negra. Carregava no sobrenome o nome do vilarejo onde o pai nasceu e na pele a negritude materna. Foi trabalhar cedo, como tecelão, na Companhia Progresso Industrial do Brasil, fundada em 1889, e que depois passaria a se chamar Fábrica de Tecidos Bangu.

No Dia da Consciência Negra, jogadores e times que construíram a história do nosso futebol

Em 1904, diretores da fábrica resolveram fundar o Bangu Athletic Club para a prática de esportes da colônia britânica. Porém, a exclusividade durou pouco tempo. Não havia gente suficiente para montar um bom time. A solução era contar com brasileiros também. E lá foi a história se encarregar de fazer de Carregal o primeiro jogador negro do Brasil.

Vitória histórica sobre o Fluminense

No dia 14 de maio de 1905, o Bangu recebeu no campo da fábrica, na Rua Ferrer, o segundo quadro (como era chamado à época o time reserva) do Fluminense. Há até uma foto deste dia, com o time do Bangu posado. E quem aparece bem no meio dela, segurando a bola? Ele mesmo. Francisco Carregal. Negro, camisa impecável, chuteiras lustradas, meiões esticados. Para driblar o racismo disfarçado, adotava o melhor dos estilos para fazer-se presente em meio à maioria britânica.

Bangu
Bangu que enfrentou o Fluminense no dia 14 de maio de 1905. Fila de cima, a partir da esquerda: José Villas Boas (presidente), Frederick Jacques e João Ferrer (presidente honorário); fila do meio: César Bochialini, Francisco de Barros, John Stark, Dante Delocco e Justino Fortes; sentados: Segundo Maffeu, Thomas Hellowel, Francisco Carregal, William Procter e James Hartley

“O time do Bangu em 1905 tinha cinco ingleses, Frederick Jacques, John Stark, William Hellowell, William Procter e James Hartley; três italianos, César Bochialini, Dante Delocco e Segundo Maffeu; dois portugueses, Francisco de Barros, o ‘Chico Porteiro’, guarda da fábrica, (…)  e Justino Fortes (…); e um brasileiro, Francisco Carregal. Brasileiro com cinquenta por cento de sangue preto. O pai, branco, português, a mãe, preta, brasileira”, escreveu o jornalista Mário Filho em seu Livro O Negro no Futebol Brasileiro (1947).

“William Procter podia descuidar-se, Francisco Carregal, não. No meio de ingleses, de portugueses, de italianos, sentia-se mais mulato, queria parecer menos, quase branco. Passava perfeitamente. Pelo menos não escandalizava ninguém”, diz outro trecho do livro.

O jogo terminou com a vitória banguense por 5 a 3 e a certeza de que aquele time de operários tinha condições de fazer frente aos grandes. Filiou-se à Liga Metropolitana de Futebol (LMF) e participou do primeiro Campeonato Carioca, em 1906. Ficou em penúltimo entre seis participantes. O incômodo foi maior fora de campo, com os dirigentes a torcer o nariz.

Carregal abriu portas para outros negros no esporte

Os cartolas que mandavam naquela época não gostaram nem um pouco de ver um time que abria a porta para operários e negros. E ainda usavam como desculpa a distância – naqueles tempos, ir até a Zona Oeste (que era chamada de área rural) significava uma viagem de mais de uma hora de trem.

O Bangu foi excluído e só voltaria à elite em 1912, depois de disputar a Segunda Divisão. Porém, à essa altura, muitos outros negros já haviam pegado carona na primazia de Carregal. No próprio Bangu jogavam seu irmão mais novo, Antônio, e Manuel Maia, goleiro, filho de dois negros. No América tinha Carlos Alberto, que depois iria para o Fluminense também fazer história, ao passar pó de arroz na pele para parecer mais branco.

Carregal atuou em 28 partidas e marcou seis gols pelo Bangu entre 1905 e 1912. Continuou a trabalhar na Fábrica de Tecidos e mais tarde virou tesoureiro do Bangu. Fazia parte do quadro de funcionários do clube quando o Bangu foi campeão em 1933, o primeiro da era do profissionalismo.

Morreu aos 65 anos, em 21 de abril de 1949, e teve seu nome reconhecido oficialmente como um figura histórica em 2001, quando o Bangu foi agraciado pela Assembleia Legislativa do Rio com a Medalha Tiradentes, a maior honraria concedida pela Casa, por ter sido o primeiro clube a ter um negro em sua linha.

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