No dia 15 de dezembro de 1995, o Tribunal de Justiça da União Europeia deu um importante passo para alterar profundamente a relação de trabalho entre clubes profissionais e jogadores. Não foi uma atitude que partiu das autoridades, mas de um atleta belga que nem sequer figurava entre os principais de seu país. Jean-Marc Bosman não conquistou títulos relevantes em sua carreira, mas sua briga com os dirigentes o colocou definitivamente na história do futebol. A Lei Bosman foi sua Copa do Mundo particular. Ironia. O homem que lutou nos tribunais para defender os direitos de sua classe hoje vive de ajuda. Aos 56 anos, Bosman é um homem falido, que depende de favores para sobreviver.

Bosman com a camisa do Racing de Liège, da Bélgica – Reprodução/Panini

O documentário ‘Bosman – O Jogador que Mudou o Futebol’, produzido pelo canal de TV britânico BT Sports, mostra um homem que carrega consigo as marcas físicas e psicológicas de quem não obteve o reconhecimento necessário pela contribuição que deu ao esporte. Em vez de adversários truculentos, preferiu encarar os labirintos judiciais de um sistema.

 

“Eu estava sem saída”

A Lei Bosman determinou que os atletas teriam passe livre ao final do contrato e poderiam sair a custo zero. Além disso, a nova legislação acabou com as fronteiras para estrangeiros entre países da União Europeia.

“Eu terminei o meu contrato com o Liège (Bélgica). Eles me ofereceram um novo contrato pelo qual me pagariam quatro vezes menos. Ao mesmo tempo, exigiram do Dunquerque (França), que me queria contratar, quatro vezes mais o preço que tinham pago por mim”, diz Bosman, lembrando o que o levou a tomar o caminho dos tribunais.

“Eles achavam que eu valia quatro vezes mais se quisesse sair e que valia quatro vezes menos se quisesse ficar. Achei uma decisão abusiva e ilegal e fui suspenso pela federação belga. Para eles, os clubes tinham sempre razão, mesmo quando o contrato acabava. Eu estava sem saída”, completou.

À essa altura, ele defendia o Visé, da terceira divisão belga, por empréstimo. Um ano depois, com o fim de seu contrato, ficou sem clube. E, marcado como inimigo número 1 de clubes e dirigentes, nunca mais conseguiu um time para jogar, aos 32 anos. E então começou seu degradante declínio.

Jean-Marc Bosman (centro) ao lado dos advogados Luc Misson (D) e Jean-Louis Dupont (E), logo depois de receber o parecer favorável da corte –  STF / Belga / AFP

Álcool e prisão por violência doméstica

Buscou refúgio no álcool. Entrou em depressão, divorciou-se e em 2013 foi condenado a um ano de prisão por tentativa de agressão contra sua namorada e sua filha. Atualmente, vive com os dois filhos e depende de uma pensão de 2 mil euros (R$ 12,2 mil) dada pelo sindicato internacional de atletas profissionais (FIFPro). Um valor que, na Bélgica, lhe garante apenas o básico para viver.

“O álcool passou a ser o meu paraíso momentâneo. Perdi amigos, entrei em depressão, divorciei-me. Para mim tem sido 25 anos de coisas ruins, mas para os jogadores são 25 anos de felicidade”, diz.

“Foi muito peso em cima de mim, mesmo com o apoio dos meus advogados e da FIFPro. Fiz muito bem a milhares de futebolistas, mas tenho a certeza que poucos deles sabem quem eu sou. Há uns anos estive em Nápoles, com o Mertens (jogador do Napoli e da seleção belga), e ele nunca tinha ouvido falar de mim”, revela.

Bosman diz que em todos esses anos apenas um jogador o ajudou com dinheiro: Adrien Rabiot, francês que atualmente defende a Juventus.

“Quando ele se transferiu para o Paris Saint-Germain,a mãe dele fez uma transferência bancária a pedido dele. Foi o único”, lembra o jogador, mas sem dizer o valor.

Apesar de tudo, Bosman não fala em arrependimento.

“Vi que as coisas eram erradas. Alguém tinha de se levantar e afrontar o poder instalado. Quando as pessoas falam sobre a Lei Bosman, falam de liberdade. Estou orgulhoso. Faria tudo novamente”, garante.

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