Quando Gabriel Vendrami, 20 anos, chegou em Portugal para jogar no Oliveira Douro, logo no primeiro dia, o treinador do sub-23 disse que ele não teria espaço no time. A ideia era priorizar os goleiros portugueses que, segundo o técnico, jogavam muito mais. Dois jogos depois, no entanto, Gabriel subia para o profissional.

Portugal hoje absorve um grande número de brasileiros. De acordo com a estatísticas fornecidas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), com dados de 2019, houve um crescimento de 45,5% na população brasileira residente no país em comparação com 2018. São mais de 150 mil com autorização de residência. Ou seja, aqueles que estão legalmente no país. Os ilegais são muitos mais. Na verdade, atualmente é um bom negócio para alguns empresários. Eles recebem pagamentos para levar e hospedar os brasileiros em Portugal e já fazem parceria com alguns clubes para recebê-los.

Gabriel Vendrami atuava nas categorias de base do Trieste de Curitiba, mas, com quinze anos, parou de jogar, pois rompeu o ligamento do tornozelo esquerdo. Ele começou a fazer outros cursos e já havia desistido do futebol. Até que começou a ver alguns jogadores de 20 a 22 anos indo para Portugal e tendo chances. Assim, voltou para o Trieste, com 18 anos, e lutou para recuperar a forma.

“Foi bem chato esse processo de voltar. Ficava pensando em desistir, porque eu achava que não valia a pena, sabe? Mas mesmo assim alguma voz lá no fundo mandava eu continuar com o futebol, sabe?”, diz Vendrami, em contato com a reportagem do Jogada10.

Mais velho?

Gabriel percebia que, no Brasil, seria muito difícil, pois a cultura futebolística do país não costuma dar chances para os “ mais velhos”. Atualmente, com 17 anos é normal já ter contrato profissional com um clube. Gabriel não via perspectivas nas terras brazucas e começou a buscar alternativas em outros países, como tentar estudar nos Estados Unidos e procurar alguma bolsa esportiva. Recebeu muitas repostas negativas. Até que encontrou um empresário que topou levá-lo para Portugal. Foi jogar no sub-23 do Oliveira Douro. A documentação demorou, mas chegou e, após dois jogos, foi para o profissional como terceiro goleiro. Até que veio a pandemia do novo coronavírus, e Vendrami retornou ao Brasil. Tristeza. Contudo, sete meses depois, recebeu uma proposta do Vale Formoso, dos Açores, onde está agora. Alegria.

Rafael Lange, futebolista brasileiro em Portugal
Rafael Lange deixou o Brasil pelo sonho em Portugal (foto: Toni Ponte/Vale Formoso)

Outro caso parecido é o de Rafael Lange. Para ele, no futebol português e europeu, a estratégia de jogo, a equipe e a parte física do atleta são mais valorizados. Rafael foi – agora em 2020 -, para Portugal, com 22 anos. Dificilmente, conseguiria entrar em algum clube brasileiro. Passou pelo Oliveira Douro, fez os gols que precisava e chamou atenção do Vale Formoso. Com a pandemia, ao invés de voltar para o Brasil foi para os Açores.

Operário do futebol

A trajetória de Felipe Zapotochove é mais longa. Começou na escolinha de futebol do São Paulo Center em Curitiba com 6 anos de idade. Posteriormente, com 11, ingressou nas categorias de base do Athletico Paranaense e, com 13, no Paraná Clube. Entretanto, aos 15, ficou sem clube. Não desistiu. Dessa forma, depois, disputou um campeonato amador sub-17/juvenil pelo Desportivo Paranaense e despertou o interesse do Atlético de Minas, onde passou dois meses em avaliação. Logo após, participou do projeto do Marília no interior de São Paulo. Ainda defendeu o Londrina no sub-17. A batalha continuava e, aos 17 anos, mais uma vez ficou sem clube.

Jogada 10 : Felipe Zapotochove
Felipe Zapotochove em ação – José Tramontin/ OFEC

Enfim, nada de desistir! Felipe Zapotochove foi jogar no Operário Ferroviário, que, naquele ano, ficou em terceiro no Campeonato Paranaense. A vida seguiu, a maioridade chegou, e o primeiro contato com a Europa também. Fez alguns amistosos na Espanha e apareceu o interesse de olheiros portugueses. Voltou para o Brasil , fechou contrato e… Veio a pandemia. Mais um balde de água fria na cabeça de Felipe. Não conseguiu viajar e começou a trabalhar para ajudar a família em casa. Agora, sim, desistiria. Mas teve o incentivo dos amigos e da família para voltar ao caminho do sonho. Foi aí que surgiu a proposta do Vale Formoso. Felipe partiu para Portugal e segue treinando na equipe.

Afinal, o Brasil tem uma população de quase 210 milhões de pessoas. Portugal, 10 milhões. O gigante sul-americano tem a alcunha de país do futebol e sempre exportou talentos para o mundo. A facilidade da língua e a maior facilidade de se destacar em um país pequeno favorecem Portugal como porta de entrada para jovens – e “velhos”.

 

Comentários