Felipe David Rocha

Lei assegura limitação na contratação de técnicos? Especialistas avaliam

O Campeonato Brasileiro de 2021 será o primeiro da história a ter limite para trocas de técnicos: cada equipe só poderá ter dois treinadores no decorrer da competição, ao mesmo tempo em que cada profissional só terá a possibilidade de trabalhar em dois times diferentes. Em outras palavras: cada clube só poderá demitir uma vez, enquanto cada técnico só poderá pedir demissão também uma única vez. Tanto a Série A quanto a B têm regulamentos isolados, portanto um mesmo treinador pode comandar duas equipes da elite e outras duas da Segunda Divisão, por exemplo.

Sede da Confederação Brasileira de Futebol no Rio de Janeiro – Lucas Figueiredo/CBF

Caso ocorra uma segunda demissão, a nova lei obriga o clube a efetivar no cargo alguém que seja funcionário do clube com, no mínimo, seis meses de casa, como um técnico das categorias de base ou até mesmo um auxiliar fixo.

Mas o que os especialistas dizem a respeito diante de tamanha novidade? A coluna entrou em contato com especialistas no tocante à legalidade da medida inovadora no âmbito do direito desportivo.

Para a advogada Ana Cristina Mizutori, a medida adotada pela CBF não é ilegal tampouco invasiva.

“A CBF, assim como qualquer outra entidade esportiva, tem poderes para estabelecer as regras das competições que organiza, desde que o regulamento não afronte a lei. E isso nada tem a ver com a autonomia de organização e funcionamento conferida pelo art. 217 da Constituição Federal, mas sim com a prerrogativa de membros de uma associação definirem as regras aplicáveis a eles próprios, em âmbito privado, observada a legislação. No caso da restrição do número de demissões de técnicos, a regra não foi imposta pela CBF de cima pra baixo, já que os representantes das associações desportivas filiadas participaram ativamente das discussões e decidiram democraticamente pela medida. Não me parece que a regra seja ilegal, por supostamente interferir no livre exercício do trabalho dos treinadores, pois a vedação se limita à inscrição destes na competição, impedindo-os apenas de estarem nas partidas. Não há qualquer limitação para técnicos contratados atuarem nos centros de treinamento, participando ativamente da preparação da equipe e sendo remunerados normalmente. Logo, não vejo conflito com o livre exercício de trabalho ou profissão, do art. 5, XIII, da CF/88. A medida implica aos clubes, porém, que tenham atenção na redação dos contratos. A CBF terá alcance nas questões atinentes à competição, assim como já ocorre na condição de jogo do atleta profissional e as regras da entidade quanto aos prazos para inscrição ou quantidade de clubes que um jogador pode atuar em uma mesma temporada, por exemplo”, afirma a advogada especializada em direito desportivo da Ambiel, Manssur, Belfiori e Malta Advogados.

Sem conseguir o aval dos clubes em anos anteriores quando também propôs a ideia, a CBF tem por finalidade oferecer aos treinadores o mesmo tratamento dado aos atletas, que têm limite para mudar de time em uma mesma competição. Contudo, tendo em vista que o número de trocas não será contabilizado para os clubes em caso de demissão dos técnicos, como proteger estes profissionais no tocante ao risco de serem forçados a pedir desligamento das agremiações?

“Não parece razoável que os clubes venham a realizar atos ilegais, como o assédio moral, para se esquivar de cumprir a medida. Além disso, esse tipo de conduta pode existir independentemente desta regra. Ou seja, uma das partes de um contrato buscando forçar uma situação em detrimento da outra para obter vantagens, que podem ser esportivas ou econômicas. Nesta hipótese, diante da ilegalidade do ato, caberá ao Judiciário ou aos órgãos judicantes da própria CBF aplicar sanções e as devidas indenizações”, disse a especialista.

Caso ocorra a morte de um técnico no decorrer da vigência contratual em algum clube, Mizutori enfatiza que seria permitida mais uma mudança no comando da equipe.

“Isso é algo que a CBF precisará estipular no regulamento quando fizer as previsões deste tipo de situação com todas as conjecturas possíveis. Pela análise sistemática do nosso ordenamento jurídico, haveria, sim, a possibilidade de mais uma mudança porque se poderia fazer um paralelo à objetividade dessa regra, que combate a mudança célere de treinadores. Em caso de morte seria uma situação alheia à vontade do clube. Muitas previsões contratuais e normas do ordenamento jurídico estipulam que, em caso de morte, caracteriza-se uma situação atípica e que deve ser adequada como tal, por ser algo inevitável. E a CBF deverá estar atenta a isso quando redigir a norma e as previsões de circunstâncias que ficarem em aberto”, pontuou.

Ana Cristina Mizutori destacou ainda que a análise da medida é baseada em um princípio absoluto, não podendo, portanto, ser usada por conveniência:

“A discussão envolve o art. 5, inciso XIII, da Constituição Federal, que consagra o direito ao livre trabalho. Trata-se de preceito fundamental, sendo, portanto, um princípio que não permite relativização. Há, portanto, quem diga que impedir um clube de contratar alguém que já tenha pedido demissões naquela temporada ou impedir um técnico de trabalhar para um clube que já demitiu no ano corrente afronta o livre direito ao exercício da profissão. No entanto, me parece que a regra proíbe apenas a inscrição do treinador no campeonato, sem impedir que exista a relação de trabalho entre as partes, e isso faz parte da atribuição de quem organiza o torneio. A prevalecer o entendimento de que a regra limita o exercício da atividade profissional, o mesmo deve ser estendido ao atleta que é contratado pelo clube, mas que não pode ser inscrito depois de passada a data limite para tal, ou então do atleta contratado pela agremiação e que não pode jogar o campeonato por já ter atuado oficialmente em outros dois clubes na mesma temporada”.

A advogada explica que normas de ordem pública, como, por exemplo, a relação de trabalho entre técnico e clube devem servir de base para o modelo associativo adotado pelas entidades de administração do desporto. Logo, não há o que se falar em confronto de normas e violação da relação trabalhista.

“A existência de um modelo associativo apenas significa dizer que são as associadas de uma determinada entidade que estabelecem as regras aplicáveis a si próprias. Independentemente disso, as regras não podem se sobrepor às normas de ordem pública, que devem ser a base para estrutura dos regulamentos associativos. Portanto, caso se entenda que a regra criada naquele ambiente afronta previsões legais ou constitucionais, a intervenção do Poder Judiciário e a consequente declaração de invalidade da regra é plenamente possível.

Enquanto a profissão de técnico de futebol é regida por lei própria, a Lei 8.650/93, que garante a liberdade de negociação, contratação e exercício da profissão, a Constituição Federal assegura a existência de direitos dos trabalhadores. Mas o que fazer quando um regulamento privado ou outra lei entram em conflito com a lei maior, a CF/88?

“A Lei 8.650 dispõe sobre as relações de trabalho entre treinadores e clubes, sem qualquer menção a regras de competição, que podem variar conforme a entidade que as organiza. Conforme já abordado, a entidade de administração do desporto estabelece as regras de competição e enquanto estas não conflitarem com a legislação, ambas podem coexistir e permanecerem vigentes”.

A CBF se considera protegida de futuras reclamações trabalhistas. De acordo com a advogada, a entidade não corre riscos de penalização.

“Não há relação de trabalho entre a CBF e os técnicos que permita a estes buscarem contra a entidade qualquer direito na Justiça do Trabalho. O que poderia ocorrer é uma determinação de um juiz para que a CBF permita a inscrição de um técnico decorrente de uma reclamação trabalhista movida por ele contra o seu clube empregador, desde que, claro, esse juiz entenda que a regra afronta a lei”, encerrou Mizutori.

A coluna também entrou em contato com Martinho Neves Miranda, advogado especializado em direito desportivo e uma das maiores referências da área no Brasil. Para ele, a medida adotada pela CBF fere princípios constitucionais.

“A medida viola o princípio da liberdade de trabalho e a liberdade de contratar, ambos princípios consagrados na Constituição Federal”, resumiu.

O advogado Décio Fuschi, especialista em contratos, segue a mesma linha de raciocínio de Neves Miranda:

“Os clubes, ao concordarem com o dispositivo da CBF no que tange a implementação de um sistema protetivo junto aos treinadores, estão contrariando a CF/88, que é soberana e não pode, sob hipótese alguma, ser atingida. Essa medida impedirá as próprias agremiações de administrarem seus interesses. Desde que os clubes cumpram suas obrigações contratuais, não se pode criar normas ou leis que contrariem o direito constitucional. Logo, essa regra da CBF com a anuência dos clubes, constrangidos em desagradar a entidade máxima do futebol brasileiro, é inconstitucional”, destacou.

Em meio ao tema considerado polêmico e com opiniões divergentes, o Brasileiro da Série A tem começo previsto para 29 de maio e encerramento em 5 de dezembro. A Série B vai de 28 de maio a 30 de novembro.

 

Felipe David

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