Roberto Assaf

O bar dos aposentados de Paris

O pessoal da TV francesa me procurou para participar de um documentário sobre a Copa do Mundo de 1982, que completará, ora vejam, 40 anos em julho. Foram três horas de entrevista. Além de ser absolutamente fanático por futebol, naqueles tempos, eu também fui testemunha ocular da história, como dizia o Repórter Esso.

Poderia escrever ou falar por uma semana sobre o evento. Estava no quarto ano da faculdade de Jornalismo, mas já exercia a atividade, embora não trabalhasse com esporte. Era praticamente aprendiz. E precisava ganhar experiência, ou seja, lidar com as variadas situações, de frivolidades cotidianas aos cadáveres desovados em lugares que só conhece quem esteve em editoria de polícia. As pessoas que tiveram sorte na vida não têm muita idéia da miséria e violência que existe no Rio de Janeiro.

Forcei um período de férias e cheguei à Espanha na véspera da Copa. Se o time da casa não ameaçasse, como ocorreu, o Brasil, que possuía a melhor seleção, e a França, que vinha logo atrás, teoricamente decidiriam o torneio. Deu zebra. Sobre a tragédia do Sarriá, de péssima memória, abordaremos no momento exato. E a França caiu diante da Alemanha, em jogo dramático, realizado em Sevilha. Como escreveu a imprensa bleu-blanc-rouge, foi “a derrota do futebol ofensivo”.

Mas é fato que a Itália, que derrubou o Brasil, e a Alemanha, em sua quarta final de Copa, brigaram pelo caneco. Abandonei a Espanha após a decepção, e estava em Paris no dia da decisão. Vinha de Versailles, que já visitara alguns anos antes, e quando percebi que não chegaria ao hotel para ver o jogo, entrei em um bar da cidade luz e me acomodei por ali mesmo. O bar era uma espécie de refúgio de aposentados. Creio que era o único jovem no local. No começo, fui vítima da curiosidade geral. Mas depois que a bola rolou me deixaram de lado.

Estavam ali reunidos pelo menos 50 senhores que viveram na pele a Paris ocupada por Adolf Hitler. E tive a oportunidade de acompanhar uma torcida alucinada contra a Alemanha, e de perceber o ódio que aquela turma guardava do pior período de suas vidas, quando foram obrigados a obedecer às ordens dos invasores, quase 40 anos antes.

Muitos já haviam tomado um pouco mais de bière, e cada gol da Itália soava como um tiro de canhão nas barbaridades perpetradas pelos nazistas, tantos eram os abraços e gritos de alegria pela derrota dos, digamos, inimigos.

Alguém perguntará: mas os italianos não foram aliados da Alemanha? Sim, mas vale lembrar que praticamente não houve presença fascista em Paris, e que a queda de Benito Mussolini aconteceu muito antes da rendição germânica. Na prática, qualquer país que vencesse a seleção de Karl-Heinz Rummenigge. Vale, porém, recordar ainda que esse cara aí, mancando, havia sido fundamental para tirar a França da Copa.

Muitos senhores choraram lágrimas de esguicho e sentiram até a pátria vingada, levando-se em conta, é claro, as devidas proporções entre os dois fatos, a prenseça nazi em Paris e a derrota dos alemães na bola.

No dia seguinte, fui ao museu de L’Armée, que conhecera bem mais jovem, quando conhecia a história superficialmente, e pude ver, no espaço reservado à Segunda Guerra Mundial, notadamente em filmes retidos pelos Aliados em campos de concentração, com as terríveis experiências cometidas pelos artífices da Gestapo, um pouquinho da explicação para a comemoração dos velhinhos daquele bar da perferia parisiense.

Pois é. O futebol é capaz de tudo. Inclusive de nos ensinar muito mais daquilo que supõe a vã imaginação dos que pensam que se trata apenas de um jogo de bola. Mas há muito para contar daquela Copa. E em breve voltaremos ao hoje distante torneio, que não sai da cabeça de quem o acompanhou ao vivo e a cores. Aguardemos, pois.

*As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do site Jogada10

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Leo Pereira

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