O jogo mudou

O Botafogo, pilotado por John Textor, ligou os motores para iniciar a decolagem. Profissionalismo, recursos financeiros e modernização aparecem no plano de voo. O tripé é a chave para entender a Estrela Solitária que renasce em 2022 e ingressa no século 21. Reconhecido mundialmente pela alcunha de “Glorioso” graças à sua imaculada história, o clube entendeu que o passado bem-afamado não lhe fornece as condições necessárias para sobreviver ao presente e vislumbrar um cenário de grandezas no futuro.

Além de títulos, ídolos e incorrigíveis façanhas, como ser a base de uma Seleção Brasileira tricampeã mundial, o “ontem” do Botafogo é marcado pelo amadorismo, característica atrelada a um futebol raiz que perde espaço no mundo regido por grandes corporações. A aversão ao profissionalismo levou o clube mais tradicional do país a três rebaixamentos e incontáveis chistes dos rivais.

E aí entra a figura de John Textor, empresário norte-americano que acertou a compra de 90% do futebol do Botafogo. Ligado à indústria cinematográfica e ao ramo tecnológico, o bilionário desembarcou no Rio de Janeiro para estabelecer um projeto ambicioso em General Severiano. Midiático, trouxe consigo uma mentalidade mais arrojada e, pasmem, incentivou a massa alvinegra a respirar ares otimistas.

Mudanças drásticas não ocorrem sem dor. Grandes revoluções não triunfaram de forma pacífica. Enderson Moreira recolocou o Botafogo na Série A em uma arrancada magnifica e obteve o melhor aproveitamento entre os treinadores do time alvinegro neste século. Seus números, porém, não convenceram Textor, que não pensa o futebol da mesma forma e defende outro estilo. A saída do treinador foi o momento de maior incerteza.

“Vi um estilo de futebol que não desejo para o Botafogo. Você pode dizer que nós não temos os jogadores para a Série A, é claro. Vamos trazê-los. Mas essa não pode ser a razão para explicar um empate diante de um time de divisão inferior. Eles também não têm jogadores de elite. O Enderson não me deu conforto de que construiríamos uma organização de futebol completa, com um sistema de jogo reconhecível”, sublinhou Textor, em entrevista ao jornalista Rodrigo Capelo.

Em menos de dois meses, o torcedor incorporou novas palavras ao glossário: SAF (Sociedade Anônima do Futebol), clube-empresa, empréstimo-ponte, aporte inicial… Enquanto isso, no mesmo curto período, o clube teve sua marca exposta na Premier League, bancará a multa milionária de um treinador estrangeiro, venceu a disputa por um técnico com o Corinthians, deixou a imprensa paulista de cabelo em pé, revisou contratos, reduziu a dívida fiscal pela metade, trouxe um head scout do atual campeão brasileiro (gerente que auxilia o Botafogo no mercado com base em dados) e mencionou nomes de impacto para reforçar o time.

“O jogo mudou”, sentenciou o presidente Durcesio Mello, no dia em que o Conselho Deliberativo aprovou a transferência dos ativos do futebol para a Eagle Holding, empresa do investidor estrangeiro. A propósito, este mesmo mandatário, à frente da transformação do clube em SAF, teve a nobreza de abrir mão do poder para tornar-se uma figura decorativa daqui para frente. Um gesto que, nos últimos anos, fez falta em meio à vaidade de cartolas cujos nomes serão esquecidos pela história.

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