Seleção Brasileira

Psicólogo do esporte explica como Seleção pode superar trauma da eliminação

A eliminação da Seleção Brasileira na Copa do Mundo do Qatar resultou em um fenômeno até então inédito em comparação aos fracassos a partir de 2006, edição que sucedeu o penta. Mais do que nunca os jogadores e a rede de apoio que os cerca, espalhados entre familiares, amigos e profissionais do futebol fizeram uma blindagem incisiva, ao mesmo tempo em que, por meio das redes sociais, adotaram a postura de humanizar o insucesso.

O abatimento do elenco após a queda para a Croácia nos pênaltis reverberou em tempos de inquietude e preocupação com saúde mental. As trocas de mensagens com colegas nas redes sociais acompanhadas do compartilhamento público abriram margem para diagnósticos. Foi o caso de Ronaldo Fenômeno, ao afirmar que Neymar precisa de acompanhamento de um psicólogo para “aguentar a pressão extremamente desproporcional para o ser humano”.

Daniel Alves consola Neymar após queda para os croatas na Copa do Qatar – Nelson Almeida/AFP via Getty Images

Psicólogo do esporte e com passagens por grandes clubes do Brasil, como Palmeiras, Botafogo e Atlético-MG, Eduardo Cillo conversou com o Jogada10. Entre os assuntos abordados, como os atletas podem lidar com seus sentimentos, mesmo sem necessariamente entendê-los, a polêmica em torno da ausência de psicólogos na Seleção e o cenário desfavorável a partir do gol de empate dos croatas até a derrota nos pênaltis.

“Acompanhei com um olhar técnico esse Mundial. Evento máximo do futebol, muito rico em performance individual e em processos de grupo. É possível dizer que essa Seleção teve um alto nível de coesão de grupo dentro e fora de campo. Chegou muito perto de alcançar as semifinais. Sofrer um gol no final da prorrogação mexe com o aspecto mental. Então seria improvável que o grupo se recuperasse a tempo da disputa de pênaltis. Mas se fosse o Brasil empatando no fim, o cenário seria outro”, iniciou.

Marquinhos desaba incolável após desperdiçar o pênalti que definiu a eliminação brasileira – Nelson Almeida/AFP via Getty Images

Novas experiências para lidar com o fracasso

Chamou atenção o fato de diversos jogadores afirmarem como a eliminação no Mundial tinha sido a pior frustração de suas carreiras. Afinal, a expectativa era alta em torno da conquista do hexa.

“Não acredito que tenha sido combinado, mas foi relevante como lidaram em meio à adversidade. Eles gastaram todas as cartas na Copa e foram da alegria habitual para um doloroso momento de baixa em que a análise dos fatos, positivos e negativos, é inevitável. O momento é de recuperar do baque para seguir adiante e não de tomar decisões”.

“Para lidar com a sensação de fracasso e o estado de desânimo e frustração, é preciso que tenham novas experiências. A começar pelos seus respectivos clubes. Como se faz quando alguém cai do cavalo? É preciso montar de novo para recuperar a confiança. Assim, quando receberem novas oportunidades na Seleção, estarão mais calejados”, continuou.

Seleção feminina conta com psicólogo; resistência no masculino

Considerada antes do Mundial uma das favoritas ao título, a Seleção Brasileira não tem qualquer tipo de trabalho psicológico. Assim, os jogadores foram obrigados a improvisar no modo de lidar diante dos efeitos de um fracasso e os julgamentos no mundo moderno, quando os ataques passaram, majoritariamente, para o ambiente virtual.

Assim como ocorreu em 2018 na Rússia, a CBF, em concordância com Tite, decidiu não enviar psicólogo para o Mundial do Qatar. Além da comissão técnica, o número de atletas aumentou para 26 na atual edição.

“A presença de um profissional da área era fundamental. Isso poderia fazer a diferença. As seleções femininas mantidas pela CBF, por exemplo, têm uma equipe bem alinhada com três psicólogas, uma para cada categoria (sub-17, sub-20 e principal) . O problema está na concepção que existe para os times masculinos. Acabou virando um tabu. Não é só o Tite, e sim a necessidade da Confederação bancar esse tipo de trabalho para ver uma evolução grande na parte mental da Seleção masculina”, afirmou Cillo, que trabalha atualmente no Comitê Olímpico Brasileiro:

“Essas decisões não vêm apenas dos treinadores, e sim dos ambientes institucionais. Além disso, não creio que muitos psicólogos em uma única equipe funcione bem. Aliás, isso é muito raro mundo afora. Já trabalhei em dupla, trio e nem sempre foi fácil. O ideal é um profissional exclusivo da Seleção Brasileira para trabalhar não somente as convocações, mas ficar em contato frequente com jogadores e profissionais dos clubes”.

Tite não conseguiu, em duas edições de Mundial, levar o Brasil ao hexa – Reprodução

Reformulação de comando é fator motivacional

Com o fim da era Tite na Seleção Brasileira, haverá uma reformulação na gestão da CBF e, consequentemente, no comando técnico. Segundo Cillo, este pode ser um fator motivante para que jogadores mais experientes, como é o caso de Neymar, não pendurem as chuteiras na Amarelinha.

“Mesmo que Neymar fale em última Copa, a chance dele integrar o novo ciclo é grande. E uma mudança no comando sempre motiva. Pelo alto nível que tem e sua liderança, o peso nos ombros é gigante. Quando se machuca na estreia, cria-se um clima de insegurança quanto ao futuro do Brasil na Copa. Em seu retorno, muita expectativa em cima dele. Foi bem diante da Coreia e quase o herói contra a Croácia. Veja os casos de grandes nomes do futebol mundial que disputam o torneio com idade mais avançada e querendo vencer. Que assim seja para 2026”, ressaltou.

Por fim, Eduardo Cillo comentou sobre o fato de Tite não ter permanecido no gramado para ajudar a consolar os jogadores que desabaram no choro com a derrota nos pênaltis. Para o psicólogo, o apontamento das críticas ao treinador foram precipitadas.

Momento pós-eliminação em que Tite deixa o gramado sozinho em direção ao vestiário – Reprodução

“Ele foi apontado como negligente por abandonar os jogadores, como se não estivesse segurando o próprio emocional. Mas ninguém sabe o que ocorreu no vestiário. A exemplo do Ronaldo Fenômeno na Copa de 98 em que só sabe o que aconteceu com o atacante quem estava lá dentro. Nesse sentido, o resto é achismo. A carta aberta do Neymar para o Tite com certeza tem o seu valor, diz muito sobre o ambiente desse grupo e não pode passar despercebida”, encerrou.

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Felipe David

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