Como um simples pedido de um colega de time transformou um amistoso em algo épico, um feito capaz de alçar Maradona à condição de um ser supremo em tão pouco tempo em solo italiano. O craque argentino, que em sua biografia lançada no fim dos anos 1990 se intitulou como “Diego de la gente” (Diego do povo), acreditem, transformou-se em Deus em na cidade italiana de Acerra. Pobre, pequena, indesejada pelo Norte rico.
Assim que chegou ao Napoli para a temporada 1984/85, vindo de uma passagem sem brilho pelo Barcelona, Maradona ficou logo amigo de Pietro Puzone, nascido em Acerra, a 20km de Nápoles. E Puzone não fez cerimônia. Chamou o argentino em um canto no vestiário e pediu sua presença em um jogo beneficente para arrecadar fundos para o filho de um amigo de infância precisava de uma cirurgia, mas não havia dinheiro.
“Ele tinha um problema na boca e a única maneira de se recuperar era fazendo uma operação na França”, lembra Puzone, que hoje, aos 57 anos, vítima do vício em drogas e álcool, vive como sem-teto em Acerra.
A ideia de fazer um jogo no Estádio San Paolo (que teve o nome alterado para Diego Maradona). Mas Corrado Ferlaino, abastado presidente do Napoli, disse não. Não queria que seus jogadores se machucassem e muito menos castigassem o gramado do estádio. Mas Diego bateu o pé. Não tratou do assunto com Ferlaino. Falou a Puzone que o jogo seria em Acerra, onde e quando fosse. Ele estaria lá. Puzone garante que antes mesmo de a partida acontecer, Maradona pagou 12 milhões de liras do próprio bolso para que a família da criança pudesse antecipar algumas despesas da cirurgia.
Aquecimento no estacionamento
Segunda-feira, 25 de janeiro de 1985. Na véspera, pelo Campeonato Italiano, o Napoli havia vencido a Lazio por 4 a 0, no San Paolo. Menos de 24 horas depois, sem que ninguém da diretoria do Napoli soubesse, Maradona chega já vestido para o jogo, de meiões e chuteiras, camisa 10 do Napoli. Foi assim que deixou o próprio carro. O estádio de Acerra, se é que poderia ser chamado de estádio, não tem vestiários. Atrás do campo, um estacionamento lamacento, digno do inverno. Chove, faz frio e o jeito é fazer o aquecimento entre os carros. O campo? Quase não há grama.
“Havia uma dez mil pessoas, mas só cabiam umas cinco mil na arquibancada. Os outros estavam por todo o lado, ao redor do campo, debaixo dos guarda-chuvas, nas varandas, nos telhados”, lembra Puzone ao jornal italiano ‘Corriere della Sera’
Poderia-se dizer que o relato é digno de uma lenda, que vaga entre o real e a fantasia. Mas existe um vídeo para comprovar a história. O time do Napoli uniformizado, se aquecendo no estacionamento. Mas não era o Napoli oficialmente. Corrado Ferlaino nem suspeitava que os reservas do Napoli, reforçados por Maradona, estavam num pântano em Acerra. Maradona berra com seus companheiros como se fossse final de Copa do Mundo. De cara fechada, aceita tirar fotos com algumas crianças.
O que se seguiu já é história. Maradona correu, lutou, escorregou e mergulhou na lama como se não houvesse amanhã. Imundo, tomado pela lama grossa, ele ainda ofereceu um aperitivo para o público seleto. Um ano antes do mítico gol contra a Inglaterra, na Copa de 1986, quando driblou meio time, ele fez um ensaio em Acerra. Roubou a bola, passou por três ou quatro, deixou o goleiro ajoelhado na lama e fez o gol. O resultado contra o time amador do Acerra foi 4 a 0. Ferlaino demorou um pouco a saber da história. E daí?
“O jogo deu para aquela criança a oportunidade de fazer uma cirurgia. Entre patrocinadores e a arrecadação com a bilheteria deu uns 20 milhões de liras”, garante Puzone. O menino se recuperou e hoje é um adulto saudável.
Quando chegou em Nápoles e foi apresentado no San Paolo para 60 mil pessoas, Maradona disse: “Quero me tornar o ídolo dos meninos pobres de Nápoles, porque eles são como eu fui em Buenos Aires”.
E Maradona conseguiu.
Confira o vídeo do histórico jogo em Acerra:
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