Zagallo foi um excelente jogador. Tinha drible curto e a capacidade de prender a bola nos momentos necessários. Poucos no futebol defenderam e atacaram com a mesma eficiência. Um exemplo nobre, entre muitos: na decisão da Copa de 1958, evitou que a Suécia fizesse 2 a 0, tirando uma bola sobre a linha da meta, e marcou um gol, quando o Brasil vencia por 2 a 1, e ainda tinha a vitória em dúvida.
É importante lembrar que no começo dos anos 1950 o Flamengo alinhava um jogador com alguma experiência, Esquerdinha, e que não teria, na prática, a posição ameaçada, caso não surgisse Zagallo com características próprias, e sem exagero, até inédita para a época, e para o modelo de jogo, o 4-2-4, que Fleitas Solich, pretendia implantar no Rubro-Negro.
Habilidade de Zagallo num esquema inovador
Na realidade, o 4-2-4 teve vários pais, pois muitos insistiram em reivindicar a sua autoria, mas o treinador paraguaio lançou o digamos, esquema, disfarçado de 4-3-3, próximo daquele que o húngaro Bela Gutman utilizaria em breve no São Paulo, e que com alguns retoques levaria o Brasil ao seu primeiro título mundial. Logo, o espaço de Zagallo, notadamente depois que ganhou a Copa de 1958, não esteve mais sob questionamento, e ao encerrar a carreira, em 1964, era uma das estrelas do poderoso Botafogo de então, que ainda contava, à época, com Nilton Santos, Garrincha e Didi.
Zagallo, como técnico
Como técnico, Zagallo seguiu sua cartilha de jogador, foi várias vezes campeão, e é necessário ressaltar que teve participação efetiva na conquista do Mundial de 1970, ao contrário do ditado popular que diz que “Saldanha ganhou a Copa para o Brasil”. Ninguém aqui vai discutir sobre a trajetória de João. Arrancou a Seleção do descrédito que veio com os resultados ruins de 1968, formou um time com os melhores jogadores do Brasil da época, as feras, definiu a escalação ao ser apresentado como técnico, e passou pelas Eliminatórias com 23 gols a favor e apenas dois contra.
Zagallo tinha visão e ousadia de poucos
Há muito blá-blá-blá sobre a transição, que envolve esporte e política, prós e contras. É cansativo repeti-lo. Mas vale dizer que Zagallo, a figura em questão, nesse contexto, também teve o seu papel. Modificou a defesa, trocando Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo, respectivamente por Brito, Wilson Piazza e Everaldo, às vezes Marco Antônio, e derrubou o 4-2-4 genuíno, sacando Edu da ponta-esquerda, e lançando um tripé com Clodoaldo, Gérson e Rivelino no meio. Ah… e manteve a dupla Tostão-Pelé, na qual centenas de críticos apostavam que não poderia dar certo. Inclusive João. João disse um dia que Pelé estava cego…
Velho Lobo, um campeão
Depois da Copa, Zagallo ainda conquistou vários troféus, vencendo grandes seleções, enfrentando críticos hipócritas e gente que não sabe nada de futebol. Só ouve falar. Como coordenador de Carlos Alberto Parreira, em 1994, Zagallo cumpriu a sua missão, a de trabalhar como escudo do treinador, principalmente no momento em que o Brasil perdeu por 2 a 0 para a Bolívia, em La Paz, a primeira derrota da história em Eliminatórias. O homem mostrava um otimismo absurdo. “Faltam três, faltam dois”, enfim, mantinha os problemas do cotidiano, comum a qualquer time de futebol, nos bastidores. O Brasil foi campeão mundial.
É comum o comentário de que Zagallo, enquanto jogador, “batia bumbo” para continuar como titular na Seleção, pois Pepe estava sempre pronto para ocupar o seu lugar. Mas parece que não foi necessário. E olha que o “santo” da turma do Santos, onde Pepe era vice-rei, sempre foi “forte”. Na prática, se Zagallo permaneceu jogando em duas Copas consecutivas é porque tinha, além do futebol, um espírito de liderança que o ajudava a ser o escolhido.
Botafogo x Flamengo de 1969
É evidente que Zagallo teve momentos difíceis na carreira de técnico, e não seria absurdo lembrar de um episódio ocorrido em 1969, quando o Botafogo de Rogério, Roberto Miranda, Jairzinho e Paulo César perdeu o tricampeonato carioca. Título, naquela época, de um importância que os mais jovens não podem imaginar. Jogariam Botafogo e Flamengo, que era, então, um freguês de caderno do Alvinegro. Elba de Pádua Lima, ou Tim, também conhecido como “O Estrategista” – essa é outra discussão, pois há que diga que não chegava a tanto – era o técnico do time da Gávea.
Pois Tim fez um punhado de mudanças na defesa do Flamengo, com o objetivo de anular os lançamentos de Gérson para Roberto Miranda e Jairzinho, o que efetivamente ocorreu, e o Botafogo, amarrado pelo fato, perdeu por 2 a 1. Aqueles dois pontos foram fundamentais para o fim do sonho do tri. Zagalo foi arrogante, na ocasião, declarando que a preocupação deveria ser do adversário com ele. E não o contrário. Vida que segue. O campeão de 1969 foi o Fluminense, dirigido pelo jovem, como treinador, Telê Santana.
Injustiças?
É natural que surjam daqui e dali jogadores que falarão em injustiça sob o comando de Zagallo. O próprio Edu, substituído na Seleção por Rivellino, é um deles. Mas isso acontecerá com qualquer técnico. Zagallo, por exemplo, insiste em afirmar que foi o responsável pela afirmação de Zico no Flamengo. Pois quem lançou o Galinho no time principal foi Fleitas Solich, em 1971, e quem o efetivou de fato, com camisa 10 e tudo, atende pelo nome de Joubert Meira, hoje esquecido em Tombos, interior de Minas, e com mais de 90 anos de idade. Zagallo escalava Zico em várias posições e parece que vê-lo como grande craque que era o incomodava.
Episódio da Copa de 70
Um episódio de 1970, no México. O Brasil jogava muito mal e perdia por 1 a 0 para o Uruguai, nas semifinais, reacendendo a maldição de 1950. Pois Clodoaldo e Gérson trocaram de posição, um ocupando o posto do outro, e logo depois o sergipano empatou, aparando cruzamento de Tostão, como se fosse ele, Corró, o verdadeiro centroavante. Daí em diante, só deu Brasil. Como na música da Blitz, “eu dizia que era ela, e ela dizia que era eu”. Gérson diz que a providência teria sido dele. Zagallo também reivindica a idéia. Falam até em “situação normal de jogo”. Mas se o Brasil perde não teria sido tri.
A Seleção de 1974
Há ainda a participação ridícula da Seleção em 1974. Já não havia Carlos Alberto Torres, Gérson, Tostão e Pelé. Clodoaldo, machucado, também. Só isso. E Zagallo resolveu armar uma retranca de lascar. O Brasil foi quarto colocado. É provável que o treinador tenha ignorado o futebol alucinado – para a época – da Holanda, conhecido na Europa desde 1971, quando o Ajax de Amsterdam (é assim mesmo, com M no fim) de Johann Cruyff ganhou o primeiro dos seus três campeonatos continentais consecutivos.
E a Holanda….
A Seleção fez uma longa excursão ao Velho Mundo, e à África, em 1973, não enfrentou a Laranja Mecânica, e parece que não deu muita importância ao carrossel dos caras. Nas quartas da Copa da Alemanha, no Westfalenstadion, em Dortmund, essa testemunha ocular que aqui vos escreve, viu, ao lado de milhares de holandeses cheios de cerveja – a fronteira fica a 200 quilômetros da Alemanha – o Brasil lançar mão de um recurso para burlar a saída em massa do time adversário, deixando o rival em posição irregular, que era a de o jogador cobrar a falta para ele mesmo, ou seja, anular a impossibilidade do impedimento. Quase deu certo.
Jairzinho e Paulo César desperdiçaram, assim, oportunidades incríveis, quando era possível ganhar. Quem criou o tal recurso? Zagallo? Os jogadores em campo? Enfim… Na realidade, seriam necessários vários volumes para fazer um histórico. O fato é que seria impossível fazer milagres sem a turma – e que turma! – que já não estava presente. Para não falar só de cracaços indiscutíveis, basta citar a ausência de Clodoaldo, que você, jovem, não sabe, jogava bola paca. Mais do que você possa imaginar.
Zagallo foi campeão como técnico no Botafogo, no Fluminense e no Flamengo, na Seleção Brasileira nem se fala, na Ásia, um mundo ainda desconhecido em décadas passadas, e colaborou diretamente, como atleta, treinador e ser humano para tornar o Brasil – até então uma terra desconhecida – badalado no planeta a partir da conquista de 1958, um marco não apenas no futebol, mas na própria história do país.
Poucos como Zagallo ganharam tantos títulos, conseguiram tantas vitórias, brilharam, enfim, efetivamente como personagem do futebol em todo o mundo.
Polêmicas e questionamentos são comuns no futebol
Não existe personagem no futebol – do seu valor – que não levante polêmica, que não traga questionamentos diversos, que não seja acusado disso ou daquilo, que não tenha vacilado aqui ou ali, como vimos, que não seja apontado como criador ou criatura.
Em 1994, por exemplo, um punhado de jornalistas, alguns importantes, outros nem tanto, disseram que o Brasil praticava um futebol distinto das nossas tradições, e que as vitórias, e no fim o próprio título, assim, desse jeito, “não tinham valor”.
Postura de vencedor
Bobagem. Hoje, 30 anos depois, um time brasileiro domina o adversário “por 20 minutos”, o treinador considera o fato espetacular e a imprensa o elogia, o que mostra a verdadeira decadência do nosso futebol. Em 1994 era preciso, antes de tudo, competir, para ganhar, o que o cidadão que acaba de ser demitido da CBF não percebeu. Grande tem que entrar para ganhar. Era o que Zagallo, postura de vencedor, tentava fazer, apesar dos erros já comentados.
Logo, talvez desnecessário afirmar que quando voltou a ser coordenador da Seleção, entre 2003 e 2006, Zagallo o fez pela paixão pelo futebol, pela amizade a Carlos Alberto Parreira, à impossibilidade, que o deixava apavorado, de permanecer à margem das competições. Não seria absurdo afirmar que ele poderia ter acompanhado a nossa trajetória no Mundial de 2006 à distância.
Valeu, Velho Lobo!
No entanto, Zagallo, como Luiz Vinhais, Ademar Pimenta e Flávio Costa, todos com as suas teimosias, manias e equívocos, também foi um dos inventores do futebol no Brasil. É fato, pois, que o saldo de Zagallo, é claro, como jogador e técnico, e notadamente personagem desse mundo fantástico, é citação obrigatória em qualquer enciclopédia sobre o assunto, em qualquer lugar do planeta.
Restam, agora, apenas quatro campeões mundiais de 1958 para contar história: Dino Sani, Moacir, Mazzola e Pepe…
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