Quando o telefone de Bruno Lage tocou, no início de julho, o português deixou seu descanso em Lisboa e aceitou o desafio de assumir o Botafogo, o líder do Brasileirão. Nas primeiras coletivas, mostrou-se bastante sereno e garantiu que daria continuidade ao trabalho de sucesso dos antecessores – Luís Castro e Cláudio Caçapa. No entanto, com o passar dos três meses, o técnico passou a usar as entrevistas para mostrar seu temperamento forte e para tentar explicar suas decisões cada vez mais impopulares e ineficazes. Nesta terça-feira, em meio aos maus resultados e o desgaste com elenco e torcida, veio o anúncio da demissão.

Os jogos iniciais de Lage mostraram um homem de poucas reações no banco de reservas. Muitos alvinegros, aliás, chegaram a debater essa postura e o criticaram nas redes sociais. Mais de uma vez, o comandante disse que o motivo era tentar não transmitir nervosismo aos jogadores, como justificativa à essa passividade. Havia no ar uma sensação, a partir de algumas declarações e do contrato curto, de que o treinador pensava em se promover com a conquista, aparentemente encaminhada, e retornar com outro status para a Europa.

Durante o período, houve bons momentos na relação. A vitória sobre o Internacional por 3 a 1, em 13 de agosto, por exemplo, teve no segundo tempo o melhor momento da equipe no recorte com Bruno Lage à frente. Antes disso, a decisão de escalar muitos reservas nas oitavas de final da Copa Sul-Americana havia dado resultado, apesar do sufoco para se classificar contra o Guaraní-PAR.

Bruno Lage perdeu o controle do grupo de jogadores e acabou demitido – Foto: Vitor Silva/Botafogo

Bruno Lage eleva o tom

Vários dos experimentos deram errado, porém, e contribuíram para que a postura mudasse totalmente. Afinal, o português não admitia o baixo rendimento e sempre defendeu suas escolhas, independentemente do resultado. Pouco a pouco, a promessa de “transição pacífica” e “continuidade” deixou de ser cumprida. Certa vez, disse que não tinha o ego tão grande a ponto de dar sua cara ao time. Mas deu. Tanto que alterou o estilo de jogo e tornou o Botafogo mais exposto defensivamente.

Com a chegada das derrotas, passou, então, a ficar na defensiva e elevar o tom de voz, criticando desde a organização da competição, como no caso da data do clássico contra o Flamengo, e principalmente a arbitragem, na parte do VAR. Ele sugeriu, inclusive, que “querem manter o campeonato animado até o fim” após o polêmico gol anulado do Alvinegro na derrota para o Atlético-MG.

O ponto alto da difícil relação com a opinião pública foi quando colocou o cargo à disposição da diretoria e encerrou uma coletiva por alegar que os jogadores estivessem sendo muito pressionados. Dessa forma, criou uma pequena crise no Botafogo antes mesmo da maior sequência negativa no Brasileirão (quatro jogos). Posteriormente, explicou que desejava chamar a atenção e as críticas para si. Assim, preservaria o grupo. E disse, afinal, que aprovou o resultado da atitude polêmica, em entrevista ao ‘ge’.

Em outro momento, contou que se sentiu muito desejado na abordagem do CEO da SAF, John Textor, que lidou pessoalmente do acerto com o ex-técnico do Wolverhampton, da badalada Premier League. Mas, ao mesmo tempo, lamentou que isso não se refletia no dia a dia, em meio a tantas críticas da torcida. Ou seja, a sinergia que existia entre arquibancada e comissão técnica nunca existiu de fato sob seu comando.

Palavrões e cobrança por apoio

Depois do quarto revés seguido, para o Corinthians, cobrou apoio do torcedor de forma veemente, mencionando que o Estádio Nilton Santos só passou a ficar cheio por causa da ótima campanha e qualidade destes jogadores no segundo semestre.

“Agora eles (jogadores) precisam de carinho. E não que “olha, vamos entregar o ouro, vamos perder”. Não, c******! Acreditem como nós, porque eles acreditam. Estavam com 10 jogadores a correr, p****”, bradou, em referência à expulsão de Marçal.

Tchê Tchê foi alvo de improvisações que acabaram sendo pivô da saída de Lage – Foto: Vítor Silva/Botafogo

Mudanças criticadas na equipe:

1) Tchê Tchê saiu do meio de campo e foi para a ponta direita, onde não rendeu
2) JP Galvão, que é volante há dois anos, barrou Di Placido na lateral e foi muito mal
3) Tiquinho foi barrado e, ao entrar no segundo tempo, marcou logo um gol
4) Tchê Tchê escalado na lateral direita, fragilizando bastante o meio de campo

Lage, com isso, foi se afastando da torcida e até do grupo. Neste sentido, perdeu completamente o controle e confiança geral ao deixar Tiquinho Soares no banco de reservas contra o Goiás, na última segunda-feira. Apesar dos constantes elogios à qualidade do centroavante, artilheiro do Brasileirão com 14 gols, pareceu não confiar em seu poder de decisão. Mais uma vez, portanto, interferiu no que vinha dando certo.

O técnico deixa o Botafogo com 42% de aproveitamento em 15 partidas, com apenas quatro vitórias. Em seu lugar, a 13 rodadas do fim do Brasileirão, assume interinamente o auxiliar Lucio Flavio, e o zagueiro recém-aposentado Joel Carli passa a integrar a comissão técnica.

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