O Vasco não pode ter seu futuro decidido por menos de quatro mil pessoas. Ainda mais em sua primeira eleição direta para presidente. Isso facilita a astúcia daqueles que almejam ingressar ou até mesmo se perpetuar no poder. Sim. Quem pensou que a morte de Eurico Miranda, em março de 2019, seria um divisor de águas para a tão almejada paz no lugar do alvoroçado ambiente político do clube quebrou a cara. E feio.
Permita-me antes explicar como se deu o pleito. O sábado eleitoral só foi possível porque o candidato Leven Siano obteve, na sexta-feira, um agravo de instrumento que derrubou a liminar que determinava a eleição para o dia 14, no formato online. O clube precisou se organizar às pressas, durante a madrugada, para a votação. Pegas de surpresa, as demais chapas não tiveram tempo hábil para convocar em peso os seus eleitores. A partir daí, a desordem e o caos estavam instaurados (ainda mais sem a publicação do edital de convocação). Uma pergunta então ganhou força, e com razão: como ficariam os sócios de fora do Rio de Janeiro em uma eleição que da noite para o dia passou a ser 100% presencial? Pergunto, amigo leitor: a quem serve uma eleição dessas se na hora do voto o sócio é irrelevante? Afinal, todos pagam mensalidade. Cadê o princípio da isonomia?
Assim começou o caótico sábado cruz-maltino. Na rua que dá acesso à entrada social de São Januário, pude observar reuniões de correligionários, painel gigante de candidato bom de promessas, carros de som, farta distribuição de material de campanha e… grandes filas! Distanciamento orientado pelas autoridades não sendo respeitado e muitos sem o uso de máscaras.
Com o cenário montado para a balbúrdia, agressões entre membros de chapas – dentro e fora do ginásio – logo esquentaram o pleito. Enquanto isso, Faues Mussa, presidente da Assembleia Geral do clube, buscava na Justiça uma decisão que anulasse os efeitos do agravo de Leven. Até que, pouco antes das 20h, o Superior Tribunal de Justiça bateu o martelo: a eleição estava suspensa. O clube, porém, deu continuidade à votação enquanto a intimação judicial não chegava. Do lado de fora, tiros e correria. Ninguém entrava, ninguém saía do Vasco. Com o documento em mãos, Mussa deu a reunião por suspensa. Ao que Leven Siano, indignado, ameaçou retirar a candidatura, a mesa diretora prosseguiu a votação, argumentando que a decisão do STJ anulava o agravo, e não a eleição.
Estava evidente que a suspensão da Justiça causou interpretações jurídicas diferenciadas. Para Mussa, sua antiga liminar voltava a valer, com a eleição passando para o dia 14 exclusivamente online. Já os remanescentes no ginásio de São Januário após a suspensão defenderam que a decisão de tutela provisória do STJ não se aplica ao formato presencial do pleito no dia 7, mas somente no que se refere ao adiamento para 14 de novembro
O departamento jurídico do clube ainda buscou, sem lograr êxito, dar fim ao pleito. Tanto que o atual presidente Alexandre Campello deixou o clube e as luzes foram apagadas. Por conta do impasse burocrático em reter as urnas, a mesa diretora, ao lado de fiscais das duas chapas presentes ao local (as outras três já haviam se retirado), optou por abrir as urnas e fazer a contagem dos votos. No total, dos 9.200 sócios aptos ao pleito, apenas 3.447 votaram em uma eleição que durou das 9h às 22h. Para efeitos de comparação, no pleito de 2018 encerrado muito mais cedo (às 17h) foram cinco mil votos. Que diferença, não?! Pois bem. No decorrer da madrugada, a apuração indicou Leven Siano como o candidato mais votado. Em seu discurso “pós-vitória”, ele assegurou que cassaria a decisão do STJ e legitimaria sua vitória nesta segunda-feira.
O clube sangra e, mais do que nunca, é preciso registrar: enquanto os verdadeiros vascaínos não se unirem pela liberdade do Vasco – que um dia lutou pela democracia além dos seus portões -, o clube permanecerá refém dentro deles e nas mãos de poucos.
Ah, e antes que me esqueça: decisão judicial é para ser cumprida. Então, cumpra-se!

 

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