“Se nem Jesus Cristo conseguiu agradar a todos, imagine eu”. Certamente você, leitor, já deve ter ouvido esta frase. Fico imaginando Jorge Jesus, depois do que disse nesta quarta-feira. Depois do exemplar abandono de campo dos jogadores de PSG e Istanbul Basaksehir, terça passada, na Champions League, o treinador do Benfica foi perguntado sobre o ocorrido.

Jorge Jesus, Benfica
Jorge Jesus utiliza discurso de ‘racismo invertido’ e merecidamente vem sendo bombardeado pela mídia europeia (Divulgação/SL Benfica)

“Não sei o que aconteceu, o que se falou, o que se disse, mas hoje está muito na moda isso do racismo. Como cidadão tenho o direito de pensar à minha maneira e só posso ter uma opinião concreta quando souber o que se disse naquele momento. Hoje, qualquer coisa que se possa dizer contra um negro é sempre sinal de racismo. A mesma coisa contra um branco já não é sinal de racismo.  Estão implantando essa onda no mundo e se calhar até houve algum sinal de racismo, mas não sei o que disseram a esse treinador”

Merecidamente, Jorge Jesus está sendo massacrado na imprensa europeia. Seu discurso de “racismo invertido” utiliza um mecanismo cruel e inverossímil ao mensurar o oposto, ou seja, quando um branco é “agredido” por um negro. Não. Nunca, nós, brancos, saberemos o que os negros passaram na pele.

O olhar europeu sobre o mundo reflete uma humanidade branca universal. O Brasil ainda se apresenta ao mundo como uma democracia racial, como se fosse o resultado de uma mistura harmoniosa de raças, o que torna o combate ao racismo tudo, menos uma prioridade no país. Na Terra Papagalli não se conhece a real dimensão do Quilombo dos Palmares, que ocupava um território próximo ao tamanho de Portugal. Fala-se quase nada sobre Zumbi e Dandara, governadores deste quilombo, e sabe-se ainda menos sobre personagens essenciais da história da resistência negra, como Francisco José do Nascimento, o “Dragão do Mar”, que ajudou o Ceará a se tornar o primeiro estado do país a abolir a escravidão, em 1884, e Tereza de Benguela, líder do quilombo do Piolho, no Mato Grosso, por intermédio de um sistema de parlamento.

Enquanto por aqui o racismo é estrutural e asfixiante, na Europa tal crime é dissimulado. Não pensem que Jorge Jesus deixou o Brasil por conta da pandemia (vimos claramente que europeus, mais especificamente ibéricos, não raciocinam do mesmo modo, haja vista a chegada do espanhol Domenec Torrent e do português Abel Ferreira ao país para treinarem Flamengo e Palmeiras, respectivamente). Sua saída deu-se por perceber que, por mais que viesse a ganhar tudo no maior clube do Brasil, ainda seria pouco para atrair os holofotes e estampar sua imagem vencedora no Velho Continente. Não se enganem. Seu tom de superioridade revela (e não é de hoje!) um profissional que se define bom o bastante para fazer parte do primeiro escalão do futebol da Europa. Para Jesus, não basta fazer um trabalho de elite; é preciso estar no mercado da elite.

Seja na vida ou em programas de reality, sempre bati na tecla de que “um dia a máscara cai”. Mais cedo ou mais tarde. Na produção a qual Jorge Jesus se escala na linha de frente, a não classificação do Benfica para a Champions (justamente para o time do compatriota Abel Ferreira, o PAOK, da Grécia) foi um claro sinal de que o mundo dá voltas. Agora, com a fala de Jesus sobre racismo, ele tranca as portas por completo para a Europa, seja qual escalão for. Consegue ficar apenas em Portugal, e olhe lá. Ou no Brasil.

Sim, Jorge Jesus sempre terá entrada permitida no Brasil. Basta olharmos alguns governantes que por aqui permanecem intocáveis e que costumam empurrar a sujeira para debaixo do tapete. Assim como o português nos mostrou o quão atrasados estamos em diversos seguimentos do esporte, ainda há tempo dele se retratar perante a mídia europeia. Ninguém é perfeito. Mas no esporte não se cobra perfeição, tampouco basta ser bom; é preciso ser exemplo. De tudo e para todos.

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