A entrevista de Leila Pereira foi corajosa. Não há como negar. Ao resolver abrir o verbo, chutou o balde. E falou de modo acertado sobre vários assuntos. Embora tenha cometido deslizes. Ou talvez excessos.

Referiu-se a pichações, ameaças e violências decorrentes de grupos de torcedores organizados, embora seja arriscada uma generalização em tratar torcidas organizadas como um “câncer”. Afinal, tais organizações se tornaram tão complexas que, dentro dela, há torcedores e aqueles que praticam atos violentos e criminosos.

Leila foi na contramão do que um dirigente de futebol raramente faz no Brasil. Tratou pelo devido nome o tipo de ação desses grupos de torcedores, que, por sua vez, faz jus a boletim de ocorrência e consequente investigação policial.

Engatou um discurso veemente sobre a maneira com a qual o futebol brasileiro se arrasta pela desorganização dos clubes. Além disso, foi assertiva ao comentar sobre responsabilidade financeira.

Palmeiras vê temporada se tornar frustrante com eliminação na semifinal da Libertadores – Foto: Cesar Greco/Palmeiras/by Canon

Pressão sobre resultados e formação de elenco

Passamos agora a discutir a pressão que se exerce acerca de resultados nesse Palmeiras e devida formação de elenco. O futebol brasileiro não sabe conviver com gestão de expectativas, em especial com os grandes clubes, constantemente moldados.

Ora, a expectativa de que todos devem, temporada após temporada, estar prontos para faturar todas as competições nunca foi uma realidade desde o advento do esporte bretão.

Quando se enxerga a figura de Leila na presidência do Palmeiras, nota-se, porém, um claro problema. Uma confusão a qual ela mesma, aliás, contribuiu para se formar. Isso porque, muitas vezes, o torcedor não sabe se quem está falando é a presidente ou a patrocinadora. E isso não é benéfico para o clube.

Ao se tornar politicamente importante no Palmeiras, Leila vê sua ascensão rumo à presidência baseada numa relação quase de mecenato com o clube. Relação fundamentada, portanto, com patrocínios acima do valor de mercado, com a contratação de atletas de custos altamente elevados e que o Verdão não tinha entrada até então e, a partir desse patrocínio, passou a ter. Assim, como em um processo natural, ela se habilita a uma candidatura à presidência.

Mas, ao lograr êxito na campanha, Leila senta na cadeira e permite a sequidão da fonte para que o Palmeiras caminhe com as próprias receitas, o que é pertinente. Até mesmo para não potencializar o já existente conflito de interesses.

Como fica a cabeça do torcedor?

A confusão, porém, se instaura na mente do torcedor: por que a investidora, hoje patrocinadora/presidente, não poupava grana no clube e, ao assumir a presidência do clube, permite um elenco curto com a corda esticada durante a temporada?

É difícil discernir quando a fala é da mandatária ou da patrocinadora. Prova disso é que, no decorrer da entrevista, Leila defende empresas que patrocinam o clube. Prática que seria compreensível caso se tratasse do presidente de um clube negociando aumento de aporte financeiro. Mas não foi o caso.

O olhar da investidora se fez presente quando ela debateu acerca do futuro do patrocínio, que encerra no fim de 2024 juntamente com seu mandato. E que só depois disso o Palmeiras se permitirá ir ao mercado para ouvir propostas de outros patrocinadores, prática corriqueira em empresas, e não em clubes.

Leila Pereira e Abel Ferreira precisarão falar a mesma língua na próxima temporada – Foto: Cesar Greco/Palmeiras

Tal relação se mostra conflituosa a ponto de Leila falar que se alguém provar que o Corinthians paga R$ 123 milhões, ela aumenta o valor de patrocínio ao Verdão. Mas, afinal, a presidente não deveria se esforçar para convencer o patrocinador a aumentar o investimento? E se a patrocinadora, ela própria, garante ter condições de potencializar o patrocínio, por que não o faz então?

Leila também admitiu que, em 2022, clube e patrocinadora contrataram dez reforços. Contudo, estas movimentações no mercado não resultaram na chegada de nomes que se firmaram no plantel. O elenco ficou curto, muito também por ser uma opção do técnico Abel Ferreira, a fim de explorar a base conhecida por revelar em larga escala e qualidade.

Corrigir política de contratação em 2024

Com isso, jovens de potencial inquestionável ganharam lugar na fila e se tornaram alternativas recorrentes. Mas, ainda assim, a maioria deles seguirá para outros mercados, inclusive o tão sonhado europeu, sem defender regularmente o time profissional alviverde.

Tudo isso reflete no diretor de futebol Anderson Barros, que, se por um lado, não foi bem-sucedido nas contratações de 2022, por outro já carregava o status de ser o dirigente de duas conquistas de Libertadores seguidas.

Logo, não há o que falar em uma revolução em processos no Palmeiras, mas de uma política de contratação bem-sucedida para que se tenha um nível de acerto maior. Afinal, quando se trabalha com cobertor curto, é crucial que todos os integrantes do elenco sejam opções consideradas pelo treinador para mudar cenários durante os jogos, e não que parcela considerável destes atletas fique sem jogar ou ganhe pouca minutagem.

Por fim, Leila pecou na entrevista ao dar claramente a entender que sem ela o Verdão estaria lutando para não cair. Ou que na condição de candidata à reeleição, em caso de insucesso, lutará para não cair.

Esqueceu (ou ignorou), ainda, a importância de Paulo Nobre na presidência do clube. Afinal, foi ele quem deu o salto que transformou o Palmeiras na potência atual no âmbito financeiro, de competitividade no mercado e que alavancou o Alviverde para se tornar um dos clubes hegemônicos na América do Sul.

Como pudemos notar, a relação é conflituosa. Enquanto Leila ficar nos dois lados da mesa, sempre será olhada com desconfiança. E não pode se queixar disso.

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