A beleza do futebol bem jogado, ofensivo, que não se cansa de buscar o gol e empolgar sua torcida é apaixonante. E para se atingir esse nível de jogo é preciso um pouco de loucura. Pelo menos, na visão de quem está do lado de fora e desconfia, ao primeiro olhar, do novo.
No Brasil, essa “loucura” é representada por Fernando Diniz. O treinador que resolveu desafiar os chatos retranqueiros com bola no chão, troca de passes e plasticidade num jogo em que os jogadores não guardam posição. Diniz precisou ouvir poucas e boas ao longo desses quase cinco anos de treinador da elite do futebol Brasileiro (não vamos contar os trabalhos nas divisões inferiores, pois não havia um acompanhamento da grande imprensa).
“Irresponsável”. “Maluco”. “É bonito ver no time dos outros”. “Não tá preocupado em ganhar”. Eram frases recorrentemente associadas ao treinador, que continuou acreditando em sua filosofia de jogo para vermos o resultado agora em 2023, como no jogo de ontem contra o Paysandu pela Copa do Brasil.
O Fluminense de Fernando Diniz joga por música, mesmo sem ter o melhor elenco do país. Com um ótimo time titular, Diniz transforma jogadores, como o fez com Fábio – que aos 41 anos aprendeu a jogar com os pés. Diniz dá confiança, inspira, motiva, mas não é só motivador. Seu plano de jogo agrada jogadores, torcedores, rivais, imprensa e até quem nunca ligou para futebol. E isso é fundamental para ganhar a confiança de quem tem que executar o que você pensa. O futebol do Fluminense de Fernando Diniz é daqueles que você escreveria como dos sonhos num roteiro de filme ou série.
Fernando Diniz supera a desconfiança
Mas para chegar lá não é fácil. E Diniz provou muito desse veneno. O novo é sempre desconfortável. Desafiador. Não é aceito de cara, precisa de um crivo, uma justificativa de que é bom e pode dar certo. Imagine no seu trabalho. Um novo diretor chega com uma nova filosofia, que você nunca viu ou trabalhou. Qual é a primeira reação da maior parte da equipe? “Hum… lá vem o novato querendo mostrar serviço e mudar tudo!” A desconfiança muitas vezes derruba planos que ajudariam a melhorar o processo de trabalho e o rendimento da equipe. Mas mudar não é fácil, eu sei, e exige dedicação e tempo.
Rinus, Telê e Cruyff
Quando a Holanda de Rinus Michel apresentou seu Futebol Total na Copa de 1974, Zagallo desdenhou dizendo que “quem tinha que se preocupar era a Holanda, que enfrentaria o Brasil”. O Brasil ficou pelas semifinais diante dos holandeses, que perderam a final para a Alemanha. Mas estão mais nas lembranças dos amantes do futebol do que os campeões mundiais até hoje.
Na Copa de 1982, Telê Santana ousou escalar o meio-campo da Seleção Brasileira com quatro jogadores cerebrais, sem um brucutu de origem, quando a tendência mundial era proteger mais a defesa. Transpirar mais do que inspirar. Ele lutou contra, encantou a todos na Espanha até cair para a Itália. Um dos grandes jogos da história as Copas. Voltou pra casa com a derrota. Mas até hoje quem curte o bom futebol lamentam a derrota. E afirmam que aquele resultado empobreceu o futebol nas décadas seguintes.
Johan Cruyff, o ícone da Holanda de 1974 de Rinus Michel, reviveu o Futebol Total no comando do Barcelona no fim dos anos 80 e nos anos 90. Com um time cheio de jogadores talentosos como Romário, Laudrup, Stoichkov, Koeman e Guardiola criou aquela que seria a escola Barcelona de se praticar futebol. Um modelo de jogo de técnico e de plasticidade no jogo. E que o clube catalão segue até hoje como sua marca registrada. Mesmo assim, foi goleado por 4 a 0 pelo Milan em uma final de Champions e viu seu trabalho ir por água abaixo anos depois – muito pelo problema de relacionamento com as principais estrelas do time.
Guardiola e o tik-taka
Se Cruyff implementou, Pep Guardiola aprimorou nos anos 2000. Com seu tiki-taka, – que iniciamente era chamado de chato e modorrento por ficar trocando passes de um lado para o outro esperando a melhor oportunidade de furar a defesa rival – Pep montou um Barcelona encantador e avassalador comandado por Messi, Xavi e Iniesta. E dessa vez, com títulos. O Futebol Total 2.0 virou referência ao ponto de a seleção espanhola adotar e, finalmente, conquistar seu tão sonhado título mundial.
Ted Lasso…
Mudar o jogo não é fácil. Ser inventivo, criativo, corajoso não é para todo mundo. Até mesmo no mundo da ficção. Ted Lasso, personagem de Jason Sudekis que dá nome à série da AppleTV+, é um treinador de futebol americano que vai dirigir o Richmond AFC na Premier League. No episódio que estreou nesta quarta-feira, Ted se vê desesperado por não conseguir fazer seu time jogar bem, mas em um sonho acredita ter descoberto a solução. O que ele não sabia, mas seu assiste o revela, é que a solução – o Futebol Total – havia sido inventada em 1974 por Rinus Michel e teve muitos sucessores. Fernando Diniz não apareceu nas fotos, mas é um deles. Mas, quem sabe em breve, poderá pleitear seu lugar nesse panteão.
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